segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Notícias: João. Um de nós: Voluntário da Cruz Vermelha Portuguesa!

"Impressiona-me mais a solidão do que um acidente aparatoso"

João nunca usa a primeira pessoa do singular. Nunca diz eu. Há dez anos que é assim, desde que pela primeira vez, estava ele a acabar o curso de arquitectura, no Porto, experimentou fazer voluntariado. Diz sempre nós. E diz porquê. "Ninguém faz nada sozinho. Nem mesmo ajudar alguém. É sempre um trabalho de equipa."

João Fernandes tem 33 anos, já prestou apoio a sem-abrigo, a crianças carenciadas, a idosos solitários, já monitorizou acções de educação para a saúde; hoje faz emergência hospitalar. Conduz as ambulâncias da Cruz Vermelha Portuguesa durante a noite. No dia em que o calendário tem o nome dele, pega às 20 horas, despega às oito da manhã. Doze horas cumpridas, vai a casa, toma banho, segue para o escritório. Trabalhar.

"Houve uma altura em que acumulava tudo, mas depois tive de aprender a equilibrar, tive que fazer opções". Optou pelas ambulâncias, porque há pouca gente a conduzir. Mas apesar de se ter obrigado a emagrecer o tempo que dedica ao voluntariado, "também para não ficar tão vulnerável", Agosto é mês de excepção. "É preciso estar mais disponível, porque há menos voluntários e mais pessoas a precisar de nós. Tento sempre ter cuidado ao marcar as férias para nunca estar longe mais de dois fins-de-semana."

João fala com desprendimento total do que faz, mesmo tendo consciência da importância daquele trabalho. Diz que não quer "embarcar em clichés". Mas os clichés, às vezes, são uma verdade incontornável. "É óbvio que gosto de ajudar pessoas, que me sinto bem por causa disso. É um privilégio. Fiz coisas que nunca imaginei fazer. Não havia de sentir-me feliz? E, às vezes, acontecem milagres". Ver uma mãe sorrir porque conseguiram encontrar-lhe o carrinho de bebé que lhe há-de aliviar as caminhadas, salvar alguém de uma paragem cardio-respiratória, fazer as manobras certas, são coisas que nunca mais se esquecem. Mas o que verdadeiramente mexe com ele é a solidão.

"Impressiona-me mais o lado social, a solidão, do que um acidente muito aparatoso. Num acidente, o máximo que podemos pensar é: será que fiz tudo bem? Mas quando há pessoas, tantas nesta cidade, que vivem nos últimos andares de prédios sem ninguém, e que vêm ter connosco só para falar, não vêm pela comida nem pela roupa, vêm para conviver, para ser ouvidas, isso mexe muito comigo", confessa. E também lhe mexe com os nervos. "Incomoda-me a falta de resposta, o passo seguinte. Porque nós não podemos resolver aqueles casos."

Em tempo de crise, há um comportamento que se multiplica a martelar-lhe na cabeça: "Pessoas do interior do país que vêm trabalhar para cá, perdem o emprego e depois têm vergonha de voltar para casa. Vão ficando na rua".


in.:http://jn.sapo.pt

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